A questão é a seguinte: imagine que você está grávida, situação que já traz muita insegurança e mexe com a autoestima. E está em um cenário em que a pandemia ainda continua "vivinha da silva", ainda que a maior parte dos que estão pegando o vírus – mais de 150 mil brasileiros por dia nos últimos dias – esteja apresentando sintomas leves. Você já tomou a vacina, mas obviamente está com medo de ser contaminada (“e como fica o bebê?”). Aí você recebe a notícia de que todos do escritório vão voltar a trabalhar presencialmente, ainda que alguns dias na semana. O que você pensa?
Para entender essa problemática que tem ganhado destaque fui conversar com Thamires Pandolfi Cappello, doutoranda e pesquisadora na Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela PUC/SP, coordenadora e professora de pós-graduação em direito médico, hospitalar e da saúde na FASIG e fundadora da Health Talks BR.
Thamires se refere à Lei 14.151, sancionada pela Presidência da República em 13 de maio de 2020, que foi a que garantiu o regime de teletrabalho às gestantes. O texto deixou claro que quem estivesse trabalhando de casa não teria redução de trabalho. Basicamente só isso.
Mas aí outros dilemas surgiram. Enquanto as empresas ficaram sem saber se contratavam mais pessoas, e algumas até evitaram contratar mulheres, as próprias gestantes começaram a ficar com medo de perder o emprego (estavam sendo pouco ou nada produtivas para a empresa, só gerando gastos, enquanto seus pares estavam lá, ocupando espaços). Algumas mulheres queriam voltar ao presencial, mas não podiam. Mulheres em idade fértil ficaram com receio de engravidar e serem discriminadas. E obviamente teve gestante sendo demitida em plena pandemia. Confusão que só.
Uma observação: por lei, as grávidas possuem direito à estabilidade do emprego, desde o momento da confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto. O descumprimento está sujeito a indenização por parte da empresa. Numa situação de descontrole de gastos e riscos de falência, teve empregador que optou por enfrentar as penalidades. Isso sem falar nas relações informais de trabalho, fora da CLT.
Demorou-se para entender que o que tinham estabelecido na lei de 2020 não era suficiente para atender todos os casos. E aí veio uma nova proposta legislativa: o Projeto de Lei 2058/21, que traz mais detalhes, inclusive sobre a volta das gestantes ao trabalho, após imunização (vacinação). O texto passou pela Câmara dos Deputados e foi aprovado no Senado em dezembro de 2021, mas, como sofreu alterações, ele ainda volta à Câmara. Os principais pré-requisitos hoje para o retorno da empregada gestante à atividade presencial são:
- Após a completa imunização;
- Quando houver interrupção da gravidez;
- Encerramento do estado de emergência (ainda estamos sob ele).
Segundo Thamires, a Câmara havia aprovado a volta da empregada que tivesse se recusado a se vacinar, desde que ela assinasse um termo de responsabilidade. Mas o Senado não concordou e tirou isso. Só volta quem tiver se vacinado. “Não é uma questão de autonomia dela; isso coloca em risco pessoas que não optaram, inclusive o nascituro”, diz a especialista.
“O maior prejuízo que sofremos com tudo isso foi o impacto na relação da mulher com o mercado de trabalho. Já é uma luta diária de ir pra frente, lutar contra desigualdades, buscar salários iguais, oportunidade de crescimento, e isso tudo agrava a situação porque o empregador se sente lesado e por tempo indeterminado [enquanto a nova lei não é aprovada]’, lembra ainda Thamires.
“O problema agora é que o ambiente continua muito inseguro para as gestantes”, comenta. De fato, mais de 150 mil casos de covid-19 por dia não é brincadeira, não é mesmo?!
Se passar no Congresso, o Projeto de Lei 2058/2 vai substituir a Lei 14.151. Por enquanto, vale a lei anterior.
Demissões para quem não se vacina
Perguntei à Thamires também sobre casos de pessoas que não se vacinaram, se podem ser demitidas. Ela lembra que, em novembro do ano passado, três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram a favor da derrubada de trechos da portaria do governo Bolsonaro, editada pelo Ministério do Trabalho e Previdência, que impedia que empresas obrigassem seus empregados a tomar a vacina contra a covid-19. Eles consideraram inconstitucional a proibição de demissão de trabalhadores não vacinados. Mas o caso ainda não foi encerrado definitivamente.
Demissão de gestante, porém, volta naquela lei que garante a estabilidade do emprego. Ou seja, não pode. “Os direitos constitucionais, como a estabilidade na maternidade, são superiores, neste caso”, diz Thamires.
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Até mais, pessoal!