Paulo Paim*
O governo interino de Michel Temer sinaliza uma série de medidas que vão de encontro aos direitos sociais trabalhistas do povo brasileiro. Aos poucos — ainda com a indefinição se Dilma Rousseff volta ou não a assumir a Presidência — ele vem “costeando o alambrado”.
Recentemente, foi publicado no Diário Oficial da União a Medida Provisória 739/2016, com o objetivo de fazer alterações na Lei nº 8.213/1991, que prevê o Plano de Benefícios da Previdência Social. Neste momento, ela tramita em uma comissão mista de senadores e deputados.
A intenção é, dentre outras medidas, revisar os benefícios do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, concedidos administrativa e judicialmente há mais de dois anos, através da convocação dos segurados para a realização de nova perícia médica. Importante lembrar que, em 2014, foi promulgada a Lei nº 13.063, advinda de projeto de minha autoria, que isenta o aposentado por invalidez acima de 60 anos de exame médico-pericial.
O argumento usado para realizar estas mudanças é a retórica de que a Seguridade Social está falida. Temos que ter muita calma e expressos cuidados neste momento. É de suma importância fazer alguns esclarecimentos para que todos possam fazer suas conclusões.
Levantamento da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), através do estudo “Análise da Seguridade Social”, aponta que não há déficit e, sim, superávit. Isso mesmo. O leitor mais atento vai se perguntar: mas todos os governos dos últimos 20 anos não falavam em déficit?
Em 2006, o superávit da Seguridade foi de R$ 59,9 bilhões; 2007, R$ 72,6 bi; 2008, R$ 64,3 bi; 2009, R$ 32,7 bi; 2010, R$ 53,8 bi; 2011, R$ 75,7 bi; 2012, R$ 82,6 bi; 2013, R$ 76,2 bi; 2014, R$ 54 bi. Logo os valores de 2015 estarão à disposição.
Esses números são esclarecedores e demonstram, categoricamente, que a Seguridade Social é viável. Tanto que, depois de 15 anos de muita luta, fizemos um golaço e conseguimos derrubar o Fator Previdenciário, e aprovamos a fórmula 85/95 para aposentadorias.
Outra questão que não é levada em conta. Querem prorrogar a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até o ano de 2023, e ampliar de 20% para 30% o percentual que o governo pode retirar dos recursos sociais. Se a medida for aprovada, a perda dos cofres da Seguridade será de R$ 120 bilhões por ano. Como é possível abrir mão desse dinheiro?
Não sei qual a intenção, mas não podemos nos calar diante de tais medidas. Não é com a retirada de benefícios sociais trabalhistas que o país vai encontrar o rumo do crescimento e do desenvolvimento.
Há, sim, medidas que são convergentes na sociedade e que poderiam ser implantadas de imediato. Vejamos: a realização de uma ampla reforma tributária, a revisão do pacto federativo, o estabelecimento de taxa de juros que estimule o mercado sem empobrecer a população, a
valorização do salário-mínimo, o combate à corrupção e à sonegação.
Aliás, segundo a ONU, o Brasil perde por ano R$ 200 bilhões em corrupção. Estudo do Sindicato Nacional dos AnalistasTributários da Receita aponta que o país perde R$ 100 bilhões com o contrabando, por ano; em 2014 foram R$ 500 bilhões de sonegação; em 2015, somente no primeiro semestre, a sonegação foi de R$ 258 bi. Será que o Brasil precisa de reformas previdenciária e trabalhista se tudo isso for cobrado?
O certo é que todo esse montante poderia ser investido em saúde; educação; segurança pública; nas estradas, para o escoamento da produção; em aeroportos; portos; em projetos sociais; no aumento do salário-mínimo e dos proventos dos aposentados e pensionistas.
Há uma expressão que era usada por Leonel Brizola e que se adapta muito bem aos dias atuais. Quando ele via que a situação piorava de vez e que um vendaval se avizinhava, dizia: ‘Preteou o olho da gateada’.
(*) Senador Paulo Paim (PT/RS). Atua na defesa dos Direitos Humanos, Sociais e Trabalhistas. É autor das Leis dos Estatutos do Idoso, da Igualdade Racial e da Pessoa com Deficiência. Texto publicado originalmente no jornal O Globo.
Fonte: Diap