Em conversa com jornalistas nesta quinta-feira (28), o presidente teria falado em “negociar”, mas declarou que a “essência do projeto” não pode ser modificada.
Na essência da Proposta de Emenda Constitucional para a Reforma da Previdência (PEC 6/2019), apresentada por Bolsonaro em 20 de fevereiro, tem muita coisa grave para o povo brasileiro.
Uma delas é a desconstitucionalização da Previdência. A palavra é difícil, mas a realidade que ela traduz é pior. A reforma retira da Constituição praticamente todas as regras que regem os direitos previdenciários no Brasil e passa a permitir que futuras mudanças sejam feitas por lei complementar. Uma emenda à Constituição precisa de três quintos dos votos dos parlamentares (308 votos na Câmara e 49 no Senado). A lei complementar requer apenas 257 e 42, respectivamente.
Se tudo é lei, qual a diferença? A diferença é que, para fazer alterações em texto da Constituição Federal, a tramitação (tempo para ser analisada) é mais longa e é necessária a aprovação de três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos. Ou seja, é mais difícil mudar o que está previsto na Constituição.
Se tudo virar lei complementar, como pretende a reforma da Previdência de Bolsonaro, qualquer alteração poderá ser feita com a aprovação por maioria absoluta. Ou seja, basta a metade mais um dos integrantes da Câmara e do Senado. Muito mais fácil mudar a lei e retirar direitos.
Assim, se a reforma da Previdência de Bolsonaro for aprovada, a qualquer momento prefeitos, governadores e o presidente da República poderão sugerir alterações nas regras de cálculo, nos reajustes dos valores dos benefícios, na forma de elevação das idades mínimas para requerer aposentadoria, assim como a atualização dos salários de contribuição, as condições para as aposentadorias especiais, entre vários outros temas.
Apenas princípios gerais permanecerão no texto da Constituição, como o menor valor do benefício concedido ao aposentado rural e aos idosos carentes com mais de 70 anos de idade ser o o salário mínimo.
Não dá para confiar na reforma da Previdência
Até as regras de transição anunciadas por Bolsonaro para a reforma da Previdência poderão perder a validade depois que as leis complementares forem aprovadas pelo Congresso.
O regime de capitalização, que altera totalmente a forma de financiamento da Previdência e coloca em risco a seguridade no Brasil, é outro dos itens fundamentais da reforma a ser definido somente depois, em lei complementar.
As regras desse novo regime, a existência ou não de contribuição patronal, não serão conhecidos durante a votação da reforma. Só depois, em lei complementar que é muito mais fácil de o governo fazer passar pela votação dos deputados e senadores no Congresso Nacional.
Mais um exemplo do caos e da insegurança escondidos no texto da reforma da Previdência de Bolsonaro: a idade mínima para a aposentadoria pode ser aumentada em 2024. E depois, continuará subindo a cada quatro anos, sempre que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmar aumento da expectativa de vida dos brasileiros. Isso só é pode ser feito se a idade mínima passar a estar prevista em lei complementar. Se a regra permanecer na Constituição, como é hoje, fica mais difícil mudar de acordo com a vontade do governante.
O advogado trabalhista Eymard Loguercio critica essa desconstitucionalização que torna as regras de acesso à Previdência Social uma política de governo e não mais uma política de Estado, com direitos garantidos pela Constituição Federal do país como é atualmente.
“É a desregulamentação praticamente total. E o que restará para a geração futura, que entrará amanhã no mercado de trabalho, será a capitalização e ficar na dependência das futuras leis complementares do governo”, afirmou em entrevista ao Portal CUT.
“Em outras palavras, essa mudança passa a dar cada vez mais poder de legislação ao governo, que poderá mexer nas regras de acesso à Previdência por meio de leis complementares”, reforça Eymard.
O analista político e assessor legislativo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Neuriberg Dias também critica. “A proposta do governo pega a parte estrutural do sistema [de Seguridade Social] e propõe que essa parte seja legislada abaixo do que prevê a Constituição, pois boa parte dos temas precisará ter uma lei específica, cada uma com uma tramitação própria”, explica.
“Cada um será regulamentado com uma tramitação diferente no Congresso Nacional”, alerta Dias. No caso de uma PEC (a proposta que precisa ser feita para mudar a Constituição) a tramitação é mais longa e mais complexa, o que permite mais debate e atenção da sociedade. “Já no caso de uma lei complementar, como quer o governo Bolsonaro, o controle do Executivo sobre a matéria se torna muito maior, pois, além de enviar o projeto para ser votado, pode pedir regime de urgência para acelerar a votação e vetar de forma parcial ou total mudanças feitas no Congresso.”