08/08/2019 Trabalho sem salário fixo e com jornada reduzida avança e já representa 12% das novas vagas formaisUm aplicativo de recrutamento que liga 5 mil garçons, cozinheiros, cumins, bartenders e outros profissionais "freelancers" da área de bares e restaurantes a mais 200 estabelecimentos programou seu algoritmo para emitir um alerta às empresas quando contratarem mais de duas vezes em uma semana o mesmo funcionário. Pagos por diária, aqueles que não fazem parte do quadro fixo de empregados poderiam recorrer à Justiça para formalizar um eventual vínculo empregatício caso ficasse comprovado, por exemplo, que a prestação de serviços é habitual, e não extraordinária. Uma vez comprovado, eles passariam a ter direito, por exemplo, à multa de 40% dos depósitos do FGTS em caso de dispensa sem justa causa. O app Closeer, lançado em dezembro de 2018 motivado pela reforma trabalhista e pela criação do contrato intermitente, tem entre seus objetivos diminuir a "exposição" das empresas à Justiça do Trabalho - além de diminuir o tempo que bares e restaurantes levam hoje para encontrar funcionários extras. Vigente desde o fim de 2017, o contrato intermitente é aquele em que a empresa registra em carteira o funcionário, mas sem estabelecer salário ou jornada fixa. O trabalhador pode ser convocado por alguns dias ou horas no mês, a depender da demanda por parte do contratante. Entre janeiro e junho deste ano, o Brasil criou 408,5 mil vagas com carteira assinada, o melhor resultado dos últimos 5 anos. Desse total, 50.345, ou 12,32%, são postos de trabalho com contrato intermitente (38,4 mil) ou parcial (11,9 mil). Esta última modalidade já existia, mas foi flexibilizada com a reforma trabalhista, que virou a Lei 13.467. No mesmo período do ano passado, a participação desses vínculos mais flexíveis no saldo total de vagas formais foi de 9,46%, 33,4 mil ao todo. O trabalho intermitente vem numa crescente desde o ano passado. Sua participação no saldo de vagas formais registradas pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) saltou de 5,5% no primeiro semestre de 2018 para 9,4% no mesmo período deste ano. Em junho, respondeu por 21% do total de postos criados. Ele foi um dos pontos mais polêmicos da reforma trabalhista e é frequentemente apontado por críticos como uma "formalização do bico". Desde que foi instituída, a modalidade é questionada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal, lembra Otávio Pinto e Silva, sócio coordenador do setor trabalhista da SiqueiraCastro e professor na USP. Na ação, uma entidade sindical argumenta que a criação de regimes flexíveis como esse viola princípios constitucionais como o da dignidade humana e do valor social do trabalho. O advogado reconhece que a criação do trabalho intermitente "atende a uma demanda empresarial", e pontua que nesse debate também se discute se a modalidade não seria uma alternativa ao desemprego, para garantir "alguma renda" aos trabalhadores em momentos de crise. "Mas não há como negar que é uma forma de emprego mais precária", diz o professor, ressaltando que muitos desses trabalhadores, apesar de receberem o que seria proporcional ao pagamento de férias por período de serviço, dificilmente conseguem tirar férias de fato, justamente por terem pouca previsibilidade em relação à jornada. Para entender se esse aumento das contratações em regimes mais flexíveis significa ou não uma tendência de precarização do mercado de trabalho, para o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília Carlos Alberto Ramos, "é preciso saber se o trabalhador optou por esse tipo de contrato ou foi 'obrigado' a aceitar pelas circunstâncias". A BBC News Brasil encontrou exemplos de ambos os casos. Oportunidade de trabalho a gente não pode perder Para Joselicia Tavares Félix, o trabalho em jornada parcial significou o fim de um ciclo de um ano e meio de desemprego. Desde que fora desligada de uma empresa de telemarketing, a jovem de 23 anos e a mãe, com quem mora no bairro do Jaguaré, em São Paulo, vinham fazendo uma série de ajustes nos gastos para acomodar o orçamento doméstico mais restrito. O primeiro corte foi a internet - seis meses sem banda larga. Depois, a troca de artigos mais caros no supermercado por similares mais baratos. Jose vinha fazendo bicos "aqui e ali" - trabalhou sem registro como caixa em um restaurante, por exemplo -, mas, quando apareceu a vaga para trabalhar com carteira assinada sete horas por dia às segundas, terças e quartas em uma varejista, ela não teve dúvida. "Oportunidade de trabalho (formal) a gente não pode perder, né?" Com os descontos, a remuneração chegava a R$ 380. Foram quatro meses nesse regime, até que lhe ofereceram a jornada "cheia", de 44 horas semanais. No fim de julho, quase um ano depois de começar no emprego, ela foi promovida de auxiliar de vestuário a vendedora, com aumento no salário. "Finalmente os caminhos se abriram", comemora. Com casamento marcado para novembro, ela e o noivo, que é ajudante de pedreiro, vêm comprando devagarinho os móveis e eletrodomésticos da casa nova no bairro de Pirituba, em São Paulo. A mãe, que trabalha como auxiliar de limpeza, deu o fogão, e a sogra, a máquina de lavar. Só falta a TV - mas essa ela deixou para comprar na Black Friday, com desconto. 'Rezava para cobrir férias' Para Sabrina* (nome preservado a pedido da entrevistada), a passagem de intermitente para o contrato CLT por prazo indeterminado em uma empresa terceirizada de limpeza em São Paulo foi mais demorada. Como intermitente, ela geralmente "cobria atestado" - trabalhava quando um funcionário adoecia ou quando havia faltas. A terceirizada entrava em contato com ela por WhatsApp, informava o tipo de serviço, a duração da diária e passava o endereço da empresa contratante. A jornada de quatro horas pagava R$ 60 mais o transporte e a de oito, R$ 80, transporte e alimentação. Como o trabalho não tinha regularidade, ela não tinha ideia de quanto ganharia no mês. "Pai e mãe para o filho", ela diz que "rezava pra cobrir férias", que lhe rendiam mais por serem períodos mais longos de trabalho. Quando isso não acontecia, sustentava a casa com o que recebe do Bolsa Família. Quase um ano depois, começou a insistir com os coordenadores de que tinha chegado "ao limite". Ameaçou deixar a empresa e acabou conseguindo um contrato permanente.
Fonte: BBC
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