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Notícias

18/09/2018

Esmagado entre austeridade e interesse privado, SUS é indispensável

Entre os países que contam com um sistema universal de saúde, o Brasil é o único em que o gasto privado supera o público

Submeter milhões de pessoas fragilizadas a um sistema assolado pela escassez crônica de recursos é causar doença e morte.
por Carlos Drummond

A combinação de recessão, desemprego e redução drástica dos gastos públicos nas áreas social e da saúde desencadeou sofrimento em grande escala nos últimos anos, ao sujeitar milhões de pessoas fragilizadas pela piora das condições de vida a um sistema estatal que, além de padecer de insuficiência financeira crônica, foi submetido também a cortes de insumos e medicamentos e a péssimas condições de trabalho dos seus funcionários.
O resultado são o aumento da mortalidade materna e infantil, esta após 26 anos de queda contínua, a diminuição da vacinação e o ressurgimento de endemias e epidemias há décadas suprimidas ou controladas, obras autorais do governo iniciado em 2016 que é responsável ainda pela aceleração da drenagem de recursos públicos em benefício do sistema financeiro e da saúde privada, mostraram os expositores e debatedores do XIII Encontro Nacional de Economia da Saúde, realizado em Brasília no mês passado pela Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES).
A política de austeridade força os limites de um sistema submetido a financiamento insuficiente há no mínimo 30 anos, desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição de 1988. A causa principal do desbalanceamento sistemático é a drenagem ininterrupta e crescente de recursos do governo para pagamento de juros da dívida pública ao setor financeiro, chamou atenção Áquilas Mendes, professor de Economia Política da Saúde da USP e da PUC-SP.
Entre 1995 e 2016, disse, o gasto anual do Ministério da Saúde não foi alterado, mantendo-se em 1,7% do PIB, enquanto o desembolso médio com juros da dívida atingiu, em média, 6,6%. A contrapartida da compressão sistemática das despesas públicas com saúde nas últimas décadas foi o avanço significativo do gasto privado no setor, em especial nos governos FHC. Considerando-se União, estados e municípios os desembolsos público e o privado como proporções do PIB atingiram 2,8% e 1,4% em 1993; 3,2% e 3,9% em 2002; 3,9% e 4,2% em 2014, mostrou Mendes.
Entre os países com sistema universal de saúde o Brasil é o único em que o gasto privado supera o público, enquanto nos demais o desembolso do Estado representa cerca de 60% do total. Hoje, quem define o rumo de políticas para a saúde no Brasil é o setor privado, ao contrário do que ocorria nos anos 1980. A situação é o avesso daquela dos países europeus, com estruturas majoritariamente públicas e gastos governamentais em torno de 80% do total.
A penúria do setor deverá aumentar nos próximos anos. Sob efeito da Emenda Constitucional nº 95 aprovada em 2016 para garantir a contenção radical de gastos, os recursos federais alocados para o SUS cairão até 2036, de 1,7% para 1,2% do PIB, com graves danos à saúde pública nos estados e municípios, projetam Francisco Funcia, consultor do Conselho Nacional de Saúde e da Fundação Getulio Vargas, e Carlos Octávio Ocké-Reis, economista e técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Outro mecanismo de ampliação da saúde privada à custa do Estado é o alto volume de renúncia fiscal. Entre 2003 e 2015, o que o Estado deixou de arrecadar no setor oscilou entre 11,7% e 22,2% da renúncia total, calculam Ocké-Reis e Artur Monteiro Prado Fernandes, também do Ipea.
Protagonista da crise generalizada do País, a judicialização também afeta o setor. “Desde 1990 houve um aumento exponencial das ações judiciais para os usuários acessarem produtos, tecnologias e medicamentos. O número de processos judiciais em saúde pública e saúde suplementar nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte e Acre atingiu 27,3 milhões em 2012”, chamou atenção Fabíola Sulpino Vieira, especialista em políticas e gestão governamental do Ipea.
Inúmeras situações envolvem conflitos de interesses, caso do medicamento Nusinersen para tratamento de atrofia muscular espinhal, doença degenerativa rara. O preço de fábrica da ampola é 297 mil reais e cada tratamento requer ao menos seis ampolas, com custo anual de 1,78 milhão por paciente.
Há cem pessoas tratadas gratuitamente pelo SUS com esse remédio por força de ação judicial e o fabricante propôs a negociação do teto de gasto público para o governo custear a medicação de até 300 pacientes e o que passasse disso a indústria pagaria.

(Fonte: CartaCapital)